"Se existe uma higiene mental, é a arte"

“Aproveitou a inteligência que Deus deu”, palavras de Seu Gino, 64, primeiro artesão a montar uma fábrica de móveis trançados com fibras naturais de Caieiras. Morador do bairro Serpa, em Caieiras, pai de seis filhos, avô de doze netos e bisavô de um, em uma conversa descontraída, enquanto ocorria o Perusferia nos muros do Cemitério Dom Bosco em Perus, o qual o artesão tem uma loja em frente a entrada do cemitério, Seu Gino narra sua história e dá significado aos móveis e utensílios artesanais trançados com fibras naturais.
Dos 13 irmãos, todos analfabetos, foi o único que conseguiu se esconder do pai para estudar até a segunda série do ensino fundamental. Seu pai acreditava que estudar era perca de tempo e aos treze anos de idade aprendeu a técnica do trançar em uma firma na cidade de São Paulo. “Aprendi a trançar pela esquerda e pela direita praticando porque via na firma o constrangimento de pessoas que não conseguiam acompanhar os ensinamentos e acabavam desistindo de aprender. Na firma, eu era o único que sabia ensinar dos dois jeitos”, relembra.
Há trinta anos Seu Gino vende sua arte no CEASA de São Paulo e Campinas e há vinte e cinco tem o ponto da loja em frente o Cemitério Dom Bosco em Perus. Chegou a ter trinta unidades da linha de produção, mas atualmente mantém apenas duas, com oito funcionários, uma na cidade de Caieiras e outra em Santa Catarina, esta última, visita uma vez por mês. “Mantenho o negócio aqui porque faço um paralelo com a floricultura. Em São Paulo dá para contar nos dedos os lugares que produz este tipo de móveis. Tem quem apele para o [material] sintético, mas não dura muito, nem a metade da fibra natural”, relata.
Contudo, a escolha do material sintético não foi aleatória. Devido o corte de 60% na produção da fibra utilizada na fabricação de móveis imposta pelo Ibama, a produção caiu consideravelmente, assim como o seu custo. O valor mínimo para encomenda da matéria prima, feita por quilo a fornecedores em Santa Catarina, é de R$4 mil reais; dos valores destinados à compra, 40% fica para as cooperativas e 18% para pedágios e impostos. Ainda assim, o material é uma das poucas matérias primas que mais duram e é 100% reciclável, além de que todo o material utilizado na fabricação é aproveitado.
Entre os anos 1980 e 1982, Seu Gino dedicou-se ao estudo do plantio da matéria prima responsável pelo seu sustento. “A cada dez anos é feito o replantio, porque a árvore não tem capacidade de armazenar água o suficiente, tanto que é plantada no banhado [dentro d’água]”, explica. Para a produção da fibra, é necessário que a plantação receba duas geadas, sendo que a primeira é para derrubar as folhas e a segunda para amarelar a madeira. Sendo a única árvore que possui duas cascas, é preciso cozinhar sua casca para que possa ser utilizada em móveis. “Se ela não tomar as geadas que precisa, é preciso colocar a fibra da noite para o dia”, diz.

Em todo o processo da confecção, utiliza-se a máquina para fazer as palhas e no caso da construção de cadeiras, exige-se o conhecimento da técnica de marcenaria, o restante é feito manualmente: do trançar ao envernizar.
Há pouco menos de seis anos, o artesão ficou uma semana em coma devido à dependência alcóolica no conhaque. Jurado com apenas seis meses de vida, pois o corpo estava seco na parte interna, decidiu dar a volta por cima e se recuperar de vez. “Vendi meus bens para cobrir a dívida da bebida e consegui recuperar a minha saúde. Faço pescaria e danço um forró em Campinas para aproveitar a vida”, conta.
Seu Gino já deu aulas no Juqueri, no antigo manicômio de Franco da Rocha, ensinando aos pacientes a técnica.
“Se existe uma higiene mental, é a arte. Quando sento para fazer um cesto a hora passa que nem vejo”, concluí.