Pouca morte para tanta vida

Qual é a verdadeira vida?
Dê-me no máximo um século e eu ei de descobrir.
Já passou, mas tem coisa que não é pra se pensar apenas em épocas festivas, é pra ser repensado diariamente. Não, estou falando das eleições presidenciais, falo sobre o Dia de Finados, vulgo dia dos mortos, comemorado neste mês de novembro, mais especificamente no dia 02.
Grande parte das pessoas morre de medo (desculpe o trocadilho) ao tratar de assuntos fúnebres, sem perceber que a toda hora algo está morre e se renova, inclusive ela mesma: de células a pensamentos. Este temor cria tantas resistências, que até mesmo o mercado de venda de planos funerários é prejudicado. Pra alguns, entrar em cemitério, só em caso de morte de algum ente próximo ou em caso de morte própria, mas neste caso, já será tarde e não terá muita escolha, né?
Por que raios comemorar dia dos mortos? Alguns se perguntam.
Horas, tudo graças aos Papas Silvestre II (1009), João XVIII (1009) e Leão IX (1015), que desde o século XI os cristãos são obrigados a dedicarem-se aos mortos um dia por ano - prática esta já praticada desde o século 1°, quando se visitavam os túmulos dos mártires nas catacumbas para rezar pelos que morreram sem martírio. Estando em 2014 e ninguém sabendo mais o fundamento de cada coisa, mantêm-se a tradição (ou imposição), com ou sem medo.
E Pois bem, aí eu é quem pergunto, por que tanto medo?
Pensar no tempo que se deve empregar ao tratar sobre o assunto é no mínimo assombrador. É preciso falar de um futuro que pode se tornar presente a qualquer momento, baseado em lembranças (passado) de quem já foi, mas com aquela sensação de que está aqui. Mas não está. E onde está? Pior, pra onde eu vou quando for a minha vez? Incertezas da vida de dar medo, que dirá da morte.
Existe uma patologia exclusiva para assuntos fúnebres, a qual a ciência batiza de tanatofobia (do grego θάνατος, Thánatos, "morte") que nada mais é o medo de morrer, de coisas mortas, ou de qualquer coisa associada com a morte. Segundo o filósofo Jacques Choron existem três tipos de medo da morte: 1- medo do que vem depois da morte (ligado as filosofias religiosas, castigos, solidões, sentimento de culpa, etc.), 2- medo do evento ou do processo de morrer (sofrimento prolongado, fraqueza, dependência, estar exposto e vulnerável, etc.) e 3- medo do "deixar de ser" (é o mais terrível, é conflito entre o nada versus a continuidade após a morte, o não ser).
A nossa formação de mundo (desde criança) é responsável em mistificar a imagem negativa que se tem sobre a morte. Também pudera, uma vez que é atrelada a foice, caveira, paisagem sombria, escuridão, sentença, punição, solidez, medo, susto, mistério, etc.
Existe um sentimento de apego total a tudo e a todos. Sim, meu caro (já dizia minha avó), enquanto não desligar-se do mundo material - dirá alguns espiritualistas - a morte será um tormento. Isto significa que muquirana não tem vez? Vai ficar com medo enquanto não deixar de se importar a deixar o tem e/ou deixar para quem fica?! Meu amigo, é nestes casos que se vira alma penada.
No entanto, visto que a única certeza da vida é justamente “bater as botas”, comece a morrer e renascer de agora mesmo. Pra começar é só dar uma espiada nos diferentes pontos de vistas apresentados, mas como a crença é algo que povoa o imaginário de quem crê, tire suas próprias conclusões, pois a morte já tem a dela (sic).

Poca muerte para tanta vida
No México a morte é uma parte da vida, e não sinônimo de tristeza. Acredita-se que as almas vão para um lugar melhor – e por isso, não há motivo para chorar. No Día de Muertos, acredita-se que as almas dos antepassados têm “permissão” para voltar ao mundo dos vivos e reencontrar seus entes queridos, por isso, são montados oferendas em cima das tumbas nos cemitérios e altares nas casas e escolas com as coisas que o falecido mais gostava.
Comemora-se entre os dias 31/10 a 02/11, no México, mas já inspira regiões brasileiras, como é o caso de Brasília com o festival Oaxaca Mágico, realizado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Morrer: cruz credo, Ave Maria!
No Brasil, existe uma cultura de finados que ganhou peso e sofrimento. É o momento oportuno para relembrar quem já passou por aqui, o que normalmente provoca muita saudade e, em alguns casos, arrependimento. Quando criança, minha avó me contou que tempos atrás não se podia varrer a casa, assistir televisão, pentear o cabelo, fazer festas (nada de churrasco aproveitando o feriadão), assim como deveriam ir aos cemitérios rezar às almas. Confesso que me aproveitava da regra “não varrer a casa”, mas sempre achei exagerado o clima mórbido que se criava.
Por outro lado e na mesma medida, no Brasil é possível se deparar com culturas e religiões que tem uma visão bem diferente acerca da morte, assim como dos espíritos que o acompanham. Normalmente estes pontos de vistas diferentes vêm de religiões que permitem a incorporação de espíritos, o que oportuniza um contato direto com o além. Algumas delas são: Kardecismo ou Espiritismo, Umbanda, Candomblé, Macumba (normalmente confundido com o ritual de Umbanda e é mais fácil de encontrar em algumas partes no Rio de Janeiro), Catimbó (presente em regiões do nordeste), entre outras.
Morrer é elevar-se
Em tradições de origem Bantu, o Dia dos Mortos representa a ascensão do mundo espiritual, um momento de comunhão e troca entre as duas realidades, sendo que o mundo dos mortos é o mais poderoso e tem mais força, porque está numa outra dimensão. Para o bantu, o luto é um processo que começa com a morte e é eterno, por ficar no coração e na mente das pessoas e, caso os antepassados não forem bem venerados podem causar infortúnios às comunidades.
Si se pate bon Ginen sa-a
No Haiti e República Dominicana – e em algumas partes de Cuba e EUA -, apesar do vodou (seja ele haitiano, daomeano ou beninense) ter um caráter extremamente negativo para a maioria dos ocidentais, é em essência mais espiritual do que religioso, dotado de muita profundidade cultural, além de ter caráter revolucionário, como foi o caso da contribuição do vodou haitiano na Revolução Haitiana (1791-1804). Por ser uma religião que cultua os antepassados e entidades conhecidas como loas (espíritos), há a visão de que os espíritos são forças poderosas, ainda que invisíveis e que podem se materializar no mundo de nós, meros mortais.
Diante este fato, “se não fosse pelos loas” (do original Si se pate bon Ginen sa-a) seria impossível entender o relacionamento além X alguém, de cunho sagrado, o que significa que o medo da morte, como muitos sentem, no vodou passa longe.
Sem dúvidas existem muito mais “visões de mundo” que ajudariam a quebrar medo e convicções, incluindo “Morte e Vida Severina”. Fica a cargo da afinidade de cada um, além do interesse, é claro. Uma coisa é certa, nada como um espírito para ajudar a tirar a sombra da morte. Só não espere se tornar um (sic).
"não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor
ou vontade de mijar"
(Não tenho medo da morte de Gilberto Gil - 2012)
Fontes consultadas
http://www.dondeandoporai.com.br/dia-dos-mortos-no-mexico-curiosidades-infos-e-tudo-sobre-um-festival-do-outro-mundo/
http://professorkibersitherc.blogs.sapo.pt/64161.html
http://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/nao-tenho-medo-da-morte.html#ixzz3HdbpDLt6
http://estudosbanto.blogspot.com.br/2009/05/ritos-funebres-banto-1-morte-continua.html
PUBLICADO EM A ORDEM DO CAOS | 2014